O homem é o único bicho que sonha? Um amigo de muito tempo, que nunca foi autoridade nenhuma nesses assuntos íntimos animalescos, jura juntado dos seus pés, que cachorro, gato e outros bichanos sonham também. Verdade que queria mesmo era falar do sonho de acordado e não de sonho de dormido. É uma diferença fundamental. Por exemplo, se cachorro sonha, sonha o de dormido, não o outro. Cão que é cão mesmo, do legitimado pela natureza, não me disse, porque, obviamente, não diz com nossa língua em palavras do nosso relacionamento de gente que nem sempre é parecido com gente de gente mesmo, pra dizer que é da espécie da nossa igual em vida.
Mas tenho certeza garantida em olhares deles, os cachorros da minha terra (em Minas, do meu tempo daqueles outros de menino de lá) quando acordam de sono assim, ligeiro, após almoço de sobras de seus donos, que sonham e sonham mesmo com coisas que vão passar ou passadas... Vou provar disso ainda a verdade, que é tudo ela mesma em certezas. Palavras que não são deles, dos cachorros, mas são de mim que vocês vão ver, ler e crer.
(Não se trata de crença, assim, cegadas dos olhos, mas crença à vista de todos que vão ver esse dia, nas claras, antes da noite escurecer de vez)
Agora, voltando ao sonho de acordado que me interessa de pronto, neste ato vivo de mãos traduzindo o meu pensar disso tudo, é o sonho do homem, tanto o ser macho como o feminino, no exato destes dois gêneros que se confabulam e se procriam. O que move isso, independente de classe, caráter, índole, costume, língua e etecéteras e tais que tais, é a coisa dada, não gratuita, da esperança, em frascos pequenos e duradouros por meia eternidade, ou em frascos grandes e duradouros por toda vida.
(E cada um dos viventes vai tomando como pode, uma ou duas colherinhas por ano, e dependendo do estoque e da necessidade um pouco mais até. E não há contra-indicação, pode-se tomar à vontade, dependendo só da capacidade de aquisição e armazenamento dela, a esperança).
O problema, às vezes, é a situação em que nos encontramos para arrumar essas fórmulas Digo assim, porque é necessário que o sujeito esteja pelo menos comendo as três refeições a que nosso presidente da república nunca deixou de prometer... Mais que isso, o sujeito precisa ter um lugar de vivo no planeta: com indumentária ajustada para o corpo que nesse mundo veio; dentes para o sorrir; ir e vir em açougues sem ser confundido com cachorro mesmo - ainda que pese a semelhança em sonhares de dormidos.
Isso é o que me angustia, principalmente nessas horas de fechamento pra balanço, quando estamos por completar mais uma volta em torno do astro, e me vejo olhando pessoas, com os olhos que minha mãe também olhava os alheios: tristes, sem as roupas certas no corpo, sem os dentes das palavras alegres pra serem abertas sem vergonha para os próximos...
Aquela parte da alimentação "...três vezes ao dia" é uma dúvida silenciosa, bastante, muito, imensamente silenciosa... e misteriosa até não ter mais aonde se esconder de tanto mistério. Sim, essa parte está fora do alcance dos outros mortais, porque o sujeito privado em um desses momentos do dia, não o dirá, nem sob tortura, por se achar + pobre ou - sortudo que o outro seu vizinho que consegue essa façanha do precisar ainda escovar os dentes três vezes ao dia.
Para fechar, na continuidade das nossas voltas em torno do sol nascendo e pondo, no seu farol de iluminar astrais, dôo aqui um pouco de mim, em vidro, minha esperança comigo, dosada, para sonhar hoje e sonhar adiante, traduzido e tecido em coisas pra se andar, pisar, deitar e rolar. E sonhar também os sonhos de dormidos, tanto os de nós, em gente, ou os dos outros, em bichos, feito os cachorros. Assim, sonhados e vividos.
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