Ser artista é abrir a própria cova e dormir nela sorrindo todas as noites, vendo as estrelas chegarem todo dia e lamber-lhe a alma, os pés a boca, mas não deixar nem um rastro para a sua realidade do dia seguinte... Ah, se não há comida se inventa, se vira, cara! Seja um exímio cozinheiro, aprenda a fazer banquete com uma batata, um ovo ou dois ovos e uma cebola que sobrou na geladeira vazia e, quente por falta de luz!
Aprenda, seu filho da... de uma.
Ainda, finja toda noite que tua mãe ainda vive e toda manhã lhe trará um naco de leite quente, tirado fresco da vaca do seu peito... Sonhe, sonhe, seu filho da...
Ainda, se não bastar, poderás te encher de atitudes mais radicais, da raiz, se enfiando no lodo das coisas mais bestas desse mundo e gritar de lá que a vida é bela, linda, linda! Mesmo que alguém lhe enrabe com um pau (de madeira, viu!)...
E eu sei, continuo sabendo, a vida bela é a que me guia, na sombra ou no sol. Na alegria ou na tristeza o sonho, o sonho de mais uma batata, uma cebola, um pé de alface, um bife... Ah, se possível uma mulher me sorrindo nos lábios da boca; d’uma de dizer coisas pra se saber da vida? A vida da arte, da música, do teatro e do cinema. Ah, a vida de imitar a gente mesmo, dentro ou fora dela.
Ah, sim, se for possível, mande-me um mar de presente, quando fores ver o horizonte que não visitaste ainda. Confio em você. Beijos.
Moacyr Scliar: Ciumento de carteirinha
Há 4 anos
Um comentário:
Que saudade de qdo toda segunda a leitura inedita neste blog era certa.
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