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27 de mai. de 2012

Um anjo no hotel

Eu entrei no elevador, depois de longa permanência na recepção onde os caras uniformizados praticamente me despiram para depois me liberarem a entrada naquela torre de vidro, a dois passos da Estação Paulista do Metrô. Me olhei com certa aflição, tentei me disfarçar com o cabelo mal arrumado, mais cara de louco do que de artista, como preferia. E alguém saberia lá que cara tem um artista, sem quadro de pintura em salão de bienal?!

Ansiedade mata qualquer anticristo também, e isso estava me matando no oco daquela imensidão de espelho-espelho-meu, subindo num zirigdum de velocidade estonteante que nunca chegava ao céu do vigésimoputa que pariu sei lá que altura de andar! E fico tonto das cabeças só de pensar... Cheguei, desci, desci, desci, desci mil vezes do elevador paralisado com um pássaro que me levara ao seu reino de voos. Tive sensação que o rei não me permitiria que beijasse as mãos enluvadas da princesa, que fossem, muito menos me deixaria a sós com ela. Mas como não estava louco e nem queria descrer do improvável, desci ao céu do reino e rolei no mármore, como se rola em nuvens.

E aí, o leitor talvez queira saber das verdades disso, e eu que não preciso lhe dar nenhum ouvido ou olhar, por não cobrar a leitura disto em escrito de fato literal, de mentira e verdade de coisas acontecidas se forem; ou não, fico nem aí de irrequieto para dizer se sim ou do contrário. Se disser que é verdade o isso de acontecido, com o vivo deste vivo cara que agora aqui se esparrama em dígito de ideias e ou outras esquesitices crônicas - quase vomitadas letrinhas que foram sopas em cabeça desmiolada de amor, e outros arranjos embriagados psicofísicos, ninguém há de crer. Se disser que é mentira, em tombo de discurso disso tudo que nem vou repetir, vão dizer que não. Então, ficado fica o fico da dúvida de quem achar que não.

Mas de coisa de literatura, gente toda sabe que isso pode picar assim mesmo, como mosquito, e de verdade ninguém precisa saber se, basta que isto se imite de crer. E pronto ...

A porta se abriu e duas mãos em cova me pegaram para dentro, com as palmas delas me alisando de abraços e beijos bem molhados. Entrei tímido com a minha toda vontade incontida, pisando o céu do chão, como se amassasse uvas para um bom vinho. O quarto quase sem luz me esperava com sua arquitetura de nuvens espessas... Eu disse coisas reais no ouvido da mulher que me recebia, fiz-lhe gestos obscenos, belisquei-lhe as nádegas, acendi um cigarro e furei a cortina de organza, como um garoto que procura espaço especial nos corações dos loucos.

Sabia, no dia seguinte talvez eu seria apenas mais um furador de cortinas de organza, ou um sujeito que pensa que pode destruir decorações de hotéis mais ou menos caros. Mesmo assim eu olhei aqueles olhos pela primeira vez, uns que tentavam me conter com deliciosos beijos de afogados. Respiração boca-a-boca nela e ela em mim, precisávamos sair vivos da cena, e os anjos nunca estão dispostos a mostrar a cara e dizerem que nos salvarão para o próximo acidente. Queria mostrar o meu corpo de anticristo a ela, um que não se importaria com nenhuma chaga moralista, insana de todas as igrejas e tendências religiosas. Abri meu coração, e com a ponta dos dedos delicadíssimos delas fui liberando meus músculos, me soltando em golfadas de alegria e sangue incolor, indolor, até que ela pudesse me penetrar no seu ventre e me acolhesse com todo o amor possível.Depois, de súbito, até que pudesse me interromper no grito do meu paraíso mais delicioso. Assim fiquei ali na cama, estendido sob a pouca luz do quarto de cortina de organza furada.

Já era tarde, e fui abraçado com ternura e afeto, e a noite ainda estaria por vir numa madrugada meio fria e lenta de barulho. Tinha que ir, afinal a vida lá embaixo não podia me esperar para a próxima.

Mas sabia nós voltaríamos de vez em quando algum dia toda noite cheia plena e sem vírgula. E ponto.

Um comentário:

Lidia Calisto disse...

Profundo, poético, descarnado, "guimarãesnesco"
Muito bonito.

São Paulo, São Paulo, Brazil

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