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18 de mai. de 2009

Eu, minha ideia, Tinoco e seus olhos num vidro d’água


No último dia seis deste mês passando, agora de maio, fui ao lançamento da Virada Cultural Paulista, na Secretaria de Estado da Cultura... Eu que andei tão sumido desses encontros, dei de cara com tantas figuras que o bravo e inexorável tempo não desmanchou assim no ar, puro e simplesmente... Oxalá que assim nos mantivessem, nos por aís da vida, em passos sempre lentos, mas firmes de olhares, músculos e mentes. Oxa.

Entre beberes e comeres de gentes do meio artístico, em desfilares de burburinhos de coisas e tais, fui amansando meu espanto e jeito de quem ainda (depois de anos, em décadas) não se acostumou a isso tudo. O meu lado mineiro, do mato, fechado em osso nada fácil de roer foi aos poucos me embrenhando no zum-zum-zum daquela solenidade festiva. Assim foi que, aos poucos, fui me embebedando de conversa em conversa com um e outro, feito puta velha de velhos e novos conhecidos colegas, e até amigos, ora!

Não foi e foi ao mesmo tempo - entre um suco verde com algum tempero de manjericão, segundo o amigo garçom que logo me deu conversa à toa- uma bebedeira de conversas boas. Foi, por que sem essa ida nesse lá de dia não encontraria gente da estirpe encontrada... Mesmo.

(E no retrato da cena, eu faço aqui a minha modesta apresentação do que senti e vivi na alma embalada de suco de manjericão, porque de refrigerante eu não vou morrer mesmo).

Ora, murmurei a mim, em voz mais que alta, quando dei de cara com o velho mestre da música caipira, o afinadíssimo Tinoco, da famosa dupla que só existe agora no registrado da história. Por recato e franca timidez da minha pele, não fui lhe cumprimentar, mas imaginei o teatro:

- Sr., Desculpe-me... é... caro...não, sim, Sr. Tinoco... sou seu... sim, um fã...nático por moda sua de viola.

Pude notar que ele tentou se abaixar (por mais que a idade lhe impusesse limites) e agarrar a ideia que eu tentava lhe passar, educada e finamente, mas de forma ambígua e tímida eu também tentava me agarrar pra não deixar cair.... E aquele monstro da verdadeira música sertaneja, sorrateiramente, disfarçado de humilde senhor, eu sei, tentava me ajudar na composição do assunto que eu tentava lhe passar.

- Ó, que vexame, Sr. Tinoco! Tenho aqui uma coisa, e nem consigo jeito que o vosso do senhor possa ouvi-la, em fiel palavras, ou mesmo senti-la, em gesto correto de meu corpo insano de vergonha do seu mito.

- Mito de quê, mocinho?

- Eu sei, o senhor de mocinho, em mim, coloca esta palavra para o meu agradar e a vergonha se desorientar no ar, eu sei, Sr Tinoco...

- Rapaz, fica descansado que se de mito falar deixa de ser, e eu falo, canto e até danço, quer ver? Mito ainda vai ser...

Nisso, catei a ideia já quase batendo a boca no rés do chão e a coloquei na pluma da nossa frente, assim, na palma de nossas mãos. Então, falei de mim, me apresentei, perguntei do morto, seu irmão, e de quando vivos em, dupla, de suas músicas, seus trejeitos duetados no dobro de peitos tristes de pássaros que não eram e não são, mas possuíam. Disse-lhe da minha humilde terra, em Minas Gerais, composta de poucos morros de uma igreja no topo, e um cemitério na parte mais baixa e reta da cidade, perto de onde havia os circos, quando lá chegavam. .


Enfim enchi o ouvido do Sr, Tinoco de tanta lembrança minha, pra ele ir pegando e lembrando deles, digo, da dupla, andando e cantando em circos do Brasil todo, penso. O Sr. Tinoco não disse nada, se embargou com a voz, melindrado, eu sei, quando lhe falei da minha caixa de engraxate azul nas costas pra pagar a entrada do circo com eles dentro, cantando... Ah, “tinha uma mula preta, com sete parmos de artura”, cantarolei assim a ele, e o danado, danado comigo, não aguentou e abriu o peito e soltou-o veloz: “fizemos a úrtima viagem...”.

3 comentários:

Cacá Mendes disse...

Cacá

Vc me fez recordar tanta coisa da minha adolescência. Também eu vi Tonico e Tinoco num circo perto de casa, lá no Quilômetro 18 num campinho de futebol que havia na rua Gasparino Lunardi. E quando não havia nenhum circo por lá, armavam um parque de diversões. Eu arranjava um dinheirinho com meu pai, e na hora do almoço ia correndo lá pedir pra tocarem uma música para algum rapaz +- da minha idade, e pedia pra dizerem que era pra ele, a mandado de alguém que não queria se identificar... E ficava com o coração aos pulos quando pelo alto-falante que praticamnete quase todo o centro do bairro ouvia, eles colocavam minha música. E ficava imaginando se o tal estaria também ouvindo...rs
E um dia veio o Piolim, sim o Piolim mesmo, e fui com Mércia. Era início dos anos 70. Ele contou uma piada e falou algum "caco" acompanhado de um gesto que nos levou às gargalhadas. Percebendo o quanto nós duas ríamos, ele voltou a fazer, novas gargalhadas...Assim, ele ficou um tempão, na nossa frente, praticamente fazendo graça apenas para nós duas. E teve de parar porque a gente ria de chorar...
Tua crônica me fez chorar de emoção e me lembrou tbém de uma vez que Venâncio e Corumba vieram a Osasco. Eu trabalhava no Diario de Osasco e fui de gravador em punho, entrevistar a dupla da qual era fã desde menina em Socorro. Gravei tudo e voltei pra casa.
Meu irmão Rômulo morava em uma casa geminada com a nossa e minha sobrinha estava com uns seis anos. Ela mexendo no gravador, desgravou toda a entrevista. Quase morrei de tanta tristeza. Principalmente quando, alguns meses depois, menos de um ano um deles faleceu...
É isso, amigo. O que + fica na gente , é a sensação das coisas inacabadas.
Bjs
riso

Eliana Mara Chiossi disse...

Muito lírico este passeio pela memória, que é uma forma de trazer todo mundo de volta.
Gostei daqui...

Cacá Mendes disse...

Obrigado por seus comentários, Eliana Mara! Isso tudo só me incentiva a continuar, Beijo na sua alma

São Paulo, São Paulo, Brazil

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