Filho de Deus
- Seu nome?
- Não tenho.
- Como??
- Isto mesmo que você ouviu.
- Então está fora...
- Claro, ainda não entrei.
- Engraçado você.
- Desculpa, mas eu não me acho.
- Sim, você é bastante. E eu devia te dar um murro na sua boca cheia de dentes engraçados para engraçados que não são nada parecidos comigo.
- Eu sei, você não foi treinado pra isso.
- Isso o quê, seu? - Já um e meio tanto irritadinho.
- Di...álogo. Por isso estou aqui tentando um treino com você
- Te catar, sai fora, vaza daqui, vai.
- Sinto lhe informar, mas sou filho de Deus e não vou admitir essa sua bronca com um cara que você nem conhece, e já fica logo zangado, só porque o meu nome não consta na lista e não tenho a credencial, hein...?!
Não chegou a completar a frase e o segurança o agarrou pelo pescoço e o jogou longe. Com a boca sangrando, o rapazinho impecavelmente vestido, todo muito esmerado de luxo, pigarreou, sacou o celular e deu um telefonema sem tirar os olhos do segurança e da pequena turba que já se movia no aquele do lugar. Uns quens que ficaram olhando, famintos, evaporando desejos e fúria por sangue. O rapazinho, então, guardou o celular e sacou outra coisa. Os todos daqueles sós de gente do ali, esbranquiçados no cúmulo da noite agitada de São Paulo, se escorreram por todos os buracos. Inclusive um de esgoto logo na esquina. O segurança não teve a mesma sorte de outras vezes, e o explicável se encerrou no gelo do asfalto, seco, rodopiado num entre de paletó preto e camisa branca num giro vermelho e inesquecível para retinas. E foi.
Moacyr Scliar: Ciumento de carteirinha
Há 5 anos
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