O que querem os olhos
Olho tem rabo? Tem de sobra, eu vi um de uma moça bem morena, cor quase índia brotada da selva, isso bem antes das civilizações invadirem e massacrarem florestas e povos. Eu vi, essa moça bonita de índia na cor, na pele me rindo, me olhando, sem barulho ou amostras aparentes, mas pude ver. Casada, pela aliança às vistas, não me podia dar no sim, numa segunda de metrô lotado, na frente de todos, a sua graça, assim, sem cobrar coisa por isso. De graça (foda-se o trocadilho) não!
Mas deu, vi, somente eu pude ver, vendo vi o rir dela, num certo pulsar de gemido rouco da pele, do rosto, ao redor da boca e olhos, no tremulando lento, segurando - no manter da força feroz, flagrante - o branco dos dentes no escuro de uma boca lacrada, sem se cuspir de alegria pra fora. Mas como um bruxo vê, eu vi o que outros não vêem. Vi. Meninas de meus olhos, eu vi. Rá, rá, rá. Rá.
Mas voltando no rabo do olho da moça... Que depois me tirou no definitivo da sua cor, descendo numa próxima estação, me fiquei no em do meu ser pensando nas eleições de ontem e nas cores dos papéis jogados nas ruas. Muitos. Mesmo, muitos papéis que vem do longe, das árvores pra se perderem de forma assim tão pisados, esmagados na calçada, sobre o cimento e sob pés passantes de eleitores... Uns indo nesses lás das urnas apenas por seu arroz e feijão; outros por um automóvel, outros por míseros cadernos, lápis e alguns livros, outros por carrões, fazendas, aviões; outros apenas por si mesmo, por seus credos de um mundo maior, melhor, tão somente melhor, melhor...
E eu penso na índia daquela cor de moça do metrô, e se ela escolheu, pensou, na hora de querer o seu quê que nem saberia pensar o seu foi. Talvez quisesse apenas um carro, ou um salário melhor para o professor do seu filho, será? Ou quisesse apenas um passeio no shopping, um batom, um lápis para aqueles olhos... Ah, novamente me veio o rabo na cabeça. Dos olhos. Ah, o rabo dos olhos.
Moacyr Scliar: Ciumento de carteirinha
Há 4 anos
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