Fui
a Osasco outro dia, mais por dever de amizade do que de ofício, digamos assim.
Mas no fundo deveria ter ido mais por dever de ofício do que por dever de outra
coisa. Explico. Ninguém é obrigado a nascer gostando disso ou daquilo, e de
cinema também não, mas a gente é obrigado, por dever de ser, no mínimo a ser
curioso... E daqui puxo a orelha de quem sabia e não foi, por preguiça, ou por dez
ou mil outras razões. Quem não foi, perdeu. Perdeu inclusive a oportunidade de encontrar
muita gente boa lá, em muitos sentidos. Apesar da modéstia, foi uma bela festa.
Foi.
A
festa a que me refiro foi o lançamento, ou estreia nacional, de “Passaporte
Para Osasco”, filme de Rui de Souza. Uma obra fílmica que não perde em nada
para um bom filme de arte europeu, ou um bom filme brasileiro. Quem o vir
depois, entenderá do que estou falando... Por enquanto quero dizer mais,
somente e tão de sua forma, de sua estética. Pois, se arte também é simetria,
eis que “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza, tem muito de simetria,
delineamento, capricho, nuanças e estética de um filme feito por mãos de
artesãos que conhecem do ofício. Uma produção, obviamente, feita na cara e na
coragem. Está lá a marca do seu diretor/autor
e também um dos seus colaboradores mais próximos como João Luiz de Brito Neto,
cineasta e cineclubista, que além de diretor de fotografia e câmera, foi quem
fez a edição; está lá também a trilha sonora, tanto a música original composta
por Alcides Neves, como a outra parte da trilha musical do grupo “La Carne”; e
também o cineasta e cineclubista Diogo Gomes dos Santos, com apoio do Centro
Cineclubista de São Paulo quem organizou tecnicamente a sessão, dentre outros
apoios em outras etapas do filme...
Enfim, há tantos colaboradores, que prefiro não tentar citar todos aqui,
porque a lista é grande. Agora, é fato que o filme, “Passaporte para Osasco”, de
Rui de Souza, já não é mais um projeto, bla-bla-bla, é realidade, ora!
E
vamos lá, todos os nós sendo desatados. Na medida dos bons ventos. Se o mar não
vem até nós, vamos a ele! Ufa.
O
Teatro Municipal de Osasco, de uns quinhentos lugares devia ter menos de meia
casa, de algo em torno de uns 150 corajosos amigos de Rui de Souza. Os amigos
e/ou amigos de amigos são sempre suspeitos e bondosos, mas posso dizer que no
final de uma sessão de quase duas horas de filme documentário, não há amizade
ou amigo de amigo que resista a caras e bocas, e ninguém, ninguém mesmo é
condescendente com aquilo que não o é merecidamente bom. No mínimo as pessoas
silenciam, mudam de assunto, inventam outras conversas etc. Mas neste caso,
quem estava lá no Teatro Municipal de
Osasco, no último dia 11 de março, pode testemunhar, não vai me deixar mentir.
As pessoas saíram felizes, caras boas e sem querer ir embora, querendo se estender,
conversar etc... E, se não fosse o bravo Samuel Batista (aliás, quem ajudou a
viabilizar a sessão de lançamento desse filme, com o apoio da Secretaria da
Cultura da Prefeitura de Osasco), no bom
sentido, claro, aquela plateia não teria saído tão cedo do espaço. Oxalá, que
sempre fosse assim, não é verdade?
E o
que lamentei, e lamentamos todos, imagino, é a ausência de muitas das
personagens que estão na fita, que já não se encontram entre nós. Uma pena.
Estão lá José Ibrahin (autor e cedente de grande parte das imagens de
arquivos), José Groff e também uma das figuras mais carimbadas daquela turma, o
saudoso Inácio Gurgel. Além ser uma das expressões daquele movimento grevista,
poeta e militante cultural, é o homem das artes cênicas em Osasco daqueles e
muitos outros anos, um multiplicador de cenas. Digamos assim. Ademais, estão lá também, felizmente, os que
ainda estão (e bem) entre nós: Helena Werner Pignatari, Risomar Fasanaro, Terezinha
Gurgel, Antonio Roberto Espinosa, João Joaquim e Roque da Silva. São todos
personagens importantes desse Movimento Grevista, envolvendo a extinta Cobrasma,
que ainda intriga a muitos, tantos aos mais velhos como às novas gerações. Cujo
poder de mobilização e força contra o regime militar, daqueles anos de 1968,
encontraria par nos movimentos grevistas da cidade de Contagem (abril de 1968),
MG, e depois no histórico e emblemático ABCD paulista, anos depois.
Encerrando
esse modesto texto, sem maiores pretensões, só queria aqui registrar esse
momento tão singular para uma cidade como Osasco, que, se não estou enganado
deve ser este o primeiro ou o segundo filme de longa metragem produzido no
município. Não precisa ser, exatamente, das artes e/ou da área da cultura para saber
da importância disso... E quem não sabe da importância deveria procurar saber.
Assim,
me retiro do Teatro Municipal de Osasco, e volto para São Paulo, de trem, de
onde espero poder continuar observando e ajudando quando possível, ou, se for o
caso, ao menos não atrapalhar quem está produzindo arte por lá. O que já está
de bom tamanho, dada as nossas homéricas tarefas para a sobrevivência nessa
área. Bom, de qualquer forma, eu também já tenho um passaporte para o Osasco. E,
beijo que fui.
(Cacá Mendes)
Poeta e produtor
cultural, e também
Coordenador do “Sarau
dos Conversadores”
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