A cidade da torre
Eu tinha comprado uma cerveja em lata, uma de uns dois reais, no máximo,
talvez. Mas eu lembro que ela me puxou pelas mãos e me propôs uma outra
cerveja, uma de uns 20 eu acho, mas teria que subir a torre. Subir, subir,
subir e ouvir música fina, estabelecida... Um sonho nas alturas dos
corações.
O que eu chamo de “torre” é o edifício Itália, na Ipiranga com a São
Luiz, em São Paulo - considerado um dos prédios mais altos da cidade, espécie
de menina dos olhos das boas vistas dos que gostam que gostam de mirar os cimos
de uma metrópole quase ensandecida. De lá se vê todos os lados da cidade, de
Itaquera na Zona Leste ao Itaim Bibi, na Zona Sul; ou se quiser, a Zona Norte
inteira, chegando em Guarulhos, emparelhado na Cantareira desde o Pico do
Jaraguá, lá para as bandas de Cumbica, até chegar ao Bairro dos Pimentas e...
Lá vem São Miguel Paulista, um arcanjo na beira do caminho de um Rio de Janeiro
já muito passado (Dom Pedro dois passava por lá, eu acho – caminho da roça
entre a capital cafeeira e a corte) etc. Agora, do contrário, víamos
Cotia, Santo Amaro, Marginal Pinheiros e até Jardim Ângela, depois
podendo se chegar com os olhos até o alto de Pinheiros, pelas bandas da Lapa,
depois se avistar com Osasco, início da Via Anhanguera, um pedacinho de Caieiras;
e, mirando bem, num oposto podíamos ver um pedaço do ABC etc., etc.. Ehehehehe,
evoé! Praias às vistas. Caminho e serra do mar.
Mas talvez isso nem tenha tanta importância, e o que me pegaria mesmo
naquela noite na torre, seriam outros quinhentos... Deixei meus velhos anos,
espichados num passado que me guiaria esplêndido naquela noite nas nuvens,
só para me disfarçar de jovem, de moço. E fomos um de dois, mergulhados
no pleno da vida em conversa, de fio a fio, desenrolando-se no cimo dos escuros
das imensidões paulistanas e dos seres. Eternidade numa noite.
Éramos para se ser, ao seu tempo e modo, cada um em si. Sem des/ser de
nenhum de nós.
Depois, aquela farta geografia dos ares, e nós nos decifrando nos
carinhos invencíveis de felizes dessa vida... Bocas mordiam-se violentas
mesmos, querendo em beijos se pegar em fogo para se compensarem de tempos
perdidos e doloridos, idos desde há muito... Ah, depois, tinha a dor da pressa,
a dor da ansiedade, a dor da insônia, a dor pela falta, a dor pelo ciúme, a dor
pela dor de esperar qualquer amor numa encruzilhada de esquina; só para se
fartar de feliz, se fartar de felicidade.
A cidade agora, em toda vista, era um campo aberto de luzes que se
estendiam aos nossos pés, de todos os lados, nos servindo com toda sua
generosidade de megalópole que aos poucos vai se diminuindo, diminuindo até
tornar–se do tamanho de uma cama onde só caberiam duas pessoas... E
breve.
Voltei aos baixos de outras luzes, precisava seguir com minha música
falada, escrita, sussurrada... Seguir. A torre ficaria lá em cima com sua luz,
sua altura, sua música refinada, estabelecida, e sua cerveja de uns 20 reais...
Talvez. Esse era o preço?
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