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25 de fev. de 2008

Ninguém pode ser suspeito por tentar sorrir


Um menino no metrô, ao lado da mãe me sorriu do alto dos seus cinco ou seis anos. Não pude lhe devolver com a mesma força o sorriso. Todavia, relaxei os músculos e tentei uma imagem que pudesse lhe agradar. Fiz careta e o danado mais uma vez me sorriu. Pronto, meu dia já não seria um tédio sem fim, e nem tudo estava mesmo por um fio naquele dezembro de vários anos por aqui.

A conquista de um sorriso em São Paulo não é fácil, principalmente no interior dos trens do Metrô, onde a vida é só uma paisagem rápida e turva, com quase nada de ventilação. Em dias de chuva a coisa piora, porque as minguadas janelinhas não dão conta de fazer respirar tantos suores juntos de uma só vez. Com a chuva, locais fechados, hermeticamente fechados que são os ônibus e os vagões do metrô... Tudo fica insuportável!

Estava lendo um livro sobre cinema e sabia que o menino não estava interessado em um livro de cinema, devia se interessar mais por pipas, seguramente. A mãe dele, acho, não nos viu nesse ato quase subversivo. Se visse, eu estaria fuzilado... Para não dizer outro termo.

A frieza e o osso duro das cadeiras do Metrô não me incomodaram mais; aguardei a estação da minha vez de descer que não demorou tanto como das outras. Pensei na minha solidão desmontada num sorriso incauto de um garoto que devia gostar de pipas e não de um livro de cinema. Ainda, eu acho. Ninguém viu. Ninguém foi cúmplice daquele instante. Não mesmo. Também, nunca mais veria aquele garoto! Nunca mais! (Im)Possibilidade cosmopolitana que me apavora. Realmente, nunca mais nos encontraríamos, como sucede com milhares de pessoas todos os dias e horas nessa cidade. Imagine, se perdermos por aqui um grande amor, tudo estará perdido. Não se encontra.

E nesta cidade sempre se tem pressa. Até os abandonados, a quem chamam de mendigos, aqui tem suas urgências ao se deslocarem... E deve haver uma angústia do ir-se a algum destino. Seja lá a que preço e, o quanto antes. Elas, as pessoas, têm que chegar, vivas ou mortas. Chegar é preciso. De resto, de nada se tem tanta certeza.

Justiça a tempo: nos ônibus que vêm das periferias, as pessoas só não sorriem umas para às outras por falta de espaço para virar o rosto e enxergar seus iguais. É uma outra pressa, apesar do aperto. Literal, em todos os sentidos. Ali, coração vive apertado, mas ninguém é suspeito por tentar sorrir.

4 comentários:

Luisa disse...

"E nesta cidade sempre se tem pressa." Até os amigos se gostam de verdade não tem tempo de sorrir um para os outros e ficam mandando beijos, sorrisos, abraços virtuais...é nao devia ser assim...
Vamos tomar um café amanha?

Anônimo disse...

Pra você ver a quantas anda a humanidade. Morremos de trabalhar pra sobreviver nessa sociedade consumista. Onde desaprendemos a arte de sorrir.
É não devia ser assim mesmo!!!
mas ainda existem pessoas que se arriscam. Acredita?
Depois que li sua crônica. uma criança sorriu pra mim no metrô. Sua mãe não achou subversiva minha atitude de retribuir o sorriso. Até falou: "Diz seu nome pra moça, filho." Realmente concordo com você. Ninguém pode ser condenado por arriscar um sorriso...E concordo tb com sua amiga Luisa. Aceite o convite dela!

blog do dan disse...

O que dizer de tamanha sensibilidade? Belíssimo texto, pois nesta sexta, voltando de Sto André para São Paulo, minha solidão foi interrompida por uma garota sorridente, que tinha lá pelos cinco anos de idade...Ao me deleitar com esta crônica, percebi que certas coisas não ocorrem por acaso, como o sorriso de uma criança, e uma boa leitura. Abraços meu camarada

Unknown disse...

Olha, para quem vive no interior de São Paulo e lê estas bem traçadas linhas, mergulha direto e reto no espírito urbano.Adoro Sampa. Mas vou e volto para minha vida interiora. Aqui se gargalha, se abraça, se beija e se não beija, se joga em xingamentos e tabefes acelerados.
Mas aindo das nossas mesmisses, assistimos garbosamente a pressa paulistana.
Raimundolonato.blogspot.com

São Paulo, São Paulo, Brazil

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