Páginas

21 de abr. de 2008

O gafanhoto que trepava em ônibus

Eu conheci o Pedro por acidente quase, não via graça de amizade nele, mas alguma coisa, inexplicável até, não deixou que me afastasse do cara. Algo parecido com humor e simplicidade, juntos, e uma certa esperteza pra levar a vida... Mas não a esperteza malvada, trapaceira, esperteza assim, digamos, ao pé da letra... Algo mais pra se manter vivo, sem lesar pátria e patrícios, podemos dizer. Porém, alguma coisa ele levava sempre, isso não tinha como. Porque afinal, a vida é um toma-lá-dá-cá mesmo. Isto ele assumiu até às últimas conseqüências.

- O que vou ganhar com isso? Pergunta freqüente na sua boca que mais parecia um bico de papagaio.

Morava no Tucuruvi e trabalhava na Paulista, andava pendurado no ônibus como gafanhoto, naquelas horas lotadas de pico... Tanto pra ir como pra voltar ao trabalho. Um bom dia qualquer, porque nem todos são mesmos bons, conheceu Isabel, moça meio riquinha (me disse assim nestes termos) dos Jardins... O problema que ele nem gostou tanto assim dela, mas passou até a freqüentar a casa da garota. O jeitão simplório, simpático e coisa e tal, embrulhou a família toda e de vez em quando filava espaço no apartamento dela e nem voltava pra casa... E tomou gosto pela coisa.

A verdade é que logo enjoou do namoro, mas mesmo assim continuava firme na sua assistência ao caso, sem deixar, claro, de freqüentar aquele lar-doce-lar dos Jardins.

Eu soube disso aos poucos, acompanhando à distância, querendo ver até onde Pedro daria com seu carregamento de pedras... E digo assim, porque dizia que a moça se tornara pra ele uma pedreira. Explico: não queria nada mesmo, mas com seu salário quase de fome e morando longe pra cacete, faria o quê pra se virar? Porque afinal, Isabel tinha uma porrada de coisas que ele não tinha, mais a facilidade de tudo na porta (Até catador de latinhas... No Tucuruvi, nem isso ele via...). Sem falar nas festas, nos jantares, nas pizzas maravilhosas que nunca havia provado na vida, nos livros... Uma biblioteca de fazer bicha tropeçar no tapete (detalhe: o sujeito aprendeu logo que era chique saber de livros e escritores famosos etc.): Sartre, Guimarães Rosa, Raquel de Queirós, Gore Vidal, Dostoiévski, Tolstói, Tchecov, Shakespeare , e por aí vai...

Enfim, o sujeito paupérrimo quase, incorporava-se aos poucos a um mundo que a Mídia, muito de longe, lhe ofereceu a vida toda, mas nunca lhe deu a mínima. Não seria agora que largaria o osso. Assim passavam-se os dias. Mas teve um ponto, um bem definido, que lhe causou raiva e desgostou de vez da moça, e, descaradamente passou a freqüentar a casa de Isabel somente para uma boa noite de amor (trepada mesmo, dizia assim – como se antes existisse algo mais) e um exemplar de livro daqueles escritores bem falados nas rodas dos sabidos. E livro somente de capa dura! Jamais outros. Poderia ser dos mais abalizados escritores, que se fosse uma edição vagabunda estava fora dos seus planos de furto e a noitada sairia, a seu ver, de graça mesmo.

O pilantra do Pedro (porque a essa altura dos acontecimentos, já não passava de um) levava tudo numa boa. Até que Isabel, que não era boba e cega de sacar detalhes, flagrou-o com um Ezra Pound nos seus CANTOS (porque este é grosso, volumoso), numa mochila muito pesada quando de manhã o ajudou a vestir uma capa de chuva na porta do prédio... Pronto, o mundo caiu.

Chuva do céu mesmo, e chuva de lágrimas. Ela só não foi à polícia, porque o danado se ajoelhou, chorou, pediu perdão, aquelas coisas todas de que só picareta é capaz. Perdoado. Mas beijado não. Nunca mais Isabel aceitou aqueles beijos, e talvez nem outros, não mais, não mais. Mas, pelo menos Pedro assumiu, não negou, assumiu e voltou de vez para o Tucuruvi, e continuou sua vida de gafanhoto, trepando em ônibus.

E Isabel, nunca mais carregou Pedro. Nunca mais.

Fora da órbita
Acabei de receber um telefonema deste Pedro aí de cima, me contando das suas últimas. Diante desse triste caso da garota (fartamente explorado por alguns açougueiros da Mídia) que foi arremessada pela janela, o danado agora quer atacar de escritor, e diz até que já tem um editor interessado no provável livro...

Sinceramente, nem sei porque faço ecoar esse assunto. Ademais, vou trocar o número do meu celular e, se puder, não atenderei mais chamadas de pessoas dessa espécie. Fora, Pedro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já conheci varios Pedros, em um cai na historia triste, dos outros aproveitei...Sou Pêdra..ou virei Pedra com os Pedros?
beijos
Luisa

São Paulo, São Paulo, Brazil

Seguidores

Visitas