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28 de jul. de 2008


Domingo, perto do parque



A moça era balconista do Amor aos Pedaços, bem perto da Av. Paulista. Gostava de flores e falava muito pouco. Ele era um flanelinha, trabalhava próximo dela, na Alameda Santos. Um dia se conheceram meio que por acaso... Como é teu nome? Mariluce, ela respondeu. Prazer, eu sou o Beto. O que você faz, Beto? Negócios de carro… é mesmo?! Já um pouco entusiasmada com o ar galante do moço. Claro, jeito de dono de agência ele não tinha (não era preconceito, mas logo se vê quando o cara tem grana e coisa e tal). Fato foi que, nada disso deixou-a menos empolgada. Por que não aceitar um convite do cara, para uma churrascada, bem pertinho do Parque do Carmo? Afinal, ela não morava assim tão longe. Do Itaim Paulista a Itaquera não é mais que uma hora de ônibus. Ok.

Foi tudo rápido. Ela nem pensou em checar o tal negócio do rapaz. E ele, nem se fez de preocupado quando ela disse que já o tinha visto estacionando um carro do outro lado da Alameda Santos. Sábado é legal, não é? Saca, tá ligada? Te pego as seis em frente o Parque, saca? Sabe ir lá? Claro. Beleza, mina.

Demais, essa festa! Ela arriscou, quase gritando sob o som do Negritude, na voz de uma meia dúzia de rapazes, tocando ao vivo. Da’hora, né?! Ele falou. Ela, legal. Algum tempo e pronto. Um zun-zum-zum vindo da porta da rua invadiu o terreno levando um pequeno bolo de gente que estava na frente da casa (a casa ficava nos fundos). Logo em seguida três homens encapuzados entraram atirando em todas as direções. O Beto tentou se esconder e nisso a Mariluce caiu do alto do seu tamanco, enquanto os homens, uns monstros, gritavam e atiravam para todos os lados. As bala passavam zunindo e Mariluce ali caída. Pensou rápido e se fingiu de morta, se aproveitando da queda do tamanco e não levantou mais. Nem um piu….


Os caras de repente pararam.

Um túmulo. Os assassinos então averiguaram as coisas, cheirando o ar, perscrutando o soberano silêncio. Nada, a não ser o barulhinho das brasas do carvão regado pelo gordurinha do churrasco que ainda persistia sob o sol.

Estavam todos mortos. Aliás, o Beto e os outros.

O sol, ensanguentado no oco do acaso, ia de mansinho enquanto o carro dos caras encapuzados batia em retirada, queimando pneus no asfalto indefeso da rua da casa, perto do Parque do Carmo. Mariluce se levantou e limpou a testa e a roupa de um pó vermelho, misturado com sangue coagulado, e foi andando em direção a rua… As pessoas, alguns vizinhos, agora vinham em direção a casa, enquanto um barulho de sirene se aproximava do local. Não, não tinha sofrido nem um arranhão. Entretanto, o Beto, o exímio guardador de carros, dormia lá no fundo com os outros. E, Mariluce… nem conseguiu dar um beijo nele. Ainda bem que lá no Amor aos Pedaços, naquele seu emprego de balconista, poderá conhecer outras pessoas.

Afinal, há muito homem bom por aí dando sopa. O que não era de todo ruím: ainda tinha emprego. Tem muita gente boa que nem isso tem. Então, riu triste e bebeu uma água com açúcar que uma vizinha trouxera. Enfim, estava viva.

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