Três jovens pobres e pretos dentro da noite linda do Rio
Eu devia esquecer o assunto porque a imprensa e quase todo mundo já o esqueceu, todavia é difícil esquecer tão emblemático caso de flagrante violência em nosso país contra os que já nasceram fora do sistema. Três jovens pobres e pretos dentro de uma noite linda no Rio (linda para rapazes que têm a sorte de não encontrar rapazes pobres servindo a dois exércitos) são pegos por soldados dos horrores... E três é ímpar, não há problema de empate. Logo, a agonia num jogo assim é mesmo passageira para o mundo dos navegantes normais.
As gentes se dividem em duas linhagens, dois bordados distintos para a apreciação de quem vive sentado na platéia e observar o espetáculo insólito. Digo assim, porque o “acordado” entre essas linhagens, para não dizer classes sociais é para que somente morram pobres, e, se, p-o-s-s-í-v-e-l (veja bem) os de pele escura, parda, negra etc.; a não ser na iminência do inevitável... Claro, os que pertencem à Primeira Linhagem deverão ser poupados sempre, sejam lá quais forem as situações (polícia ganha pra isso). Porém, vez ou outra a estampa da Primeira é arrombada por balas equivocadas (e depois de disparadas não há como detê-las, não é verdade?), matando algum infeliz que se projetou diante do projétil destinado a algum meliante; ou quando alguém dessa mesma estirpe perde um parafuso ou mais, e barbariza os seus próprios membros...
(Eu chamaria o Dr. Simão Bacamarte e o trancafiaria na Casa Verde somente para lembrar Machado...)
Aí, o que é dor mesmo vira compaixão com uma longevidade somente comparável a novela das oito - que me parece nunca ter sido este o horário dela. E todos nós esquecemos prontamente a tragédia anterior - uma coisa apaga a outra, dependendo do bordado... Se não me falha a memória, algo assim eu já escrevi em algum lugar por aí.
E volto aos três jovens pobres e pretos porque eu penso o quanto não deve haver jovens em grupos de três (são muitos os pares!), dessa mesma linhagem, transitando por noites lindas e maravilhosas desse país, sem saber que a qualquer instante alguém, algum imbecil assassino, poderá vir e roubar-lhes os passos, os sorrisos... E depois, depois de alguns dias não serão mais lembrados, não mesmo!
Mas se forem lembrados de que adianta? Aí, já estarão fora de todas as noites e dias lindos desse país, não é verdade meu caro?
Moacyr Scliar: Ciumento de carteirinha
Há 5 anos
Um comentário:
O que dizer diante de mais uma tragédia, meu caro!?
Dizer que há lei para todos?
Só me resta reproduzir em mente o som da voz de Martin Luther King; "O que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter, nem dos sem éticas. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." Solange
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