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1 de set. de 2008

*Instalação


Tinha 22 anos. Estudou muito pouco. Sabia quase nada a respeito de cultura. Na verdade, nada. Cultura pra ele era aquilo relacionado com a terra, a agricultura, por exemplo. Verdade que nem isto ele sabia decifrar direito. Estava trabalhando na reforma de uma das partes desativados do prédio da Bienal. Primeira semana de trabalho, contratado novo da firma, etc. Não, ninguém o avisara direito sobre o funcionamento daquele prédio da Bienal de São Paulo: exposições de artes, gente pra todo lado...

Miro resolveu não aderir à história do almoço em restaurante. Preferiu guardar os vales-refeições e vendê-los pra engrossar o salário. Claro, também o seu jeitão fechado ajudou-o a optar pela marmita. Vai que, nisso, o mestre-de-obras esqueceu de orientar o rapaz sobre os locais em que podia circular e, mesmo, fazer as suas refeições... Não, ele era boa gente e jamais mexeria em alguma coisa. Educação ele tinha, garantia o seu cunhado, que o havia encaixado na firma.

Foi numa terça-feira. Cismado de ficar perto de mais uns dois que almoçavam, também, no mesmo esquema, Miro resolveu comer num canto, fora da área de reforma, próximo a uns galhos murchos e umas pecinhas de gesso. O ambiente parecia até um outro qualquer, visto pela claridade, normal, do recinto. Tranqüilamente, ele desenganchou a argola que segurava uma corda de nylon do gancho e entrou no cercadinho. A comida não era ruim, a irmã caprichava na na marmita. Comia como um rei. Enfim, hora de almoço era sagrada. Não queria chateação. Embora fosse um local de exposição em pleno funcionamento, naquele dia e horário, por volta das onze, o movimento era quase nada.

Passado um tempo, ele nem viu, um grupinho de umas três pessoas entrou ali. De repente, não mais que de repente, um guarda, atônito, veio correndo… Antes que aquelas pessoas o vissem o vigilante já foi falando apavorado com ele: tá louco, mano?! O Miro passou a língua nos lábios grossos de gordura e… quê isso, ô?! O vigia, esbaforido: fora, meu chapa! O Miro não entendeu… Corou de raiva. Ficou rubro. Não disse nada, pegou o que tinha na mão, um garfo, e o acertou perto do umbigo. Tentou desenroscá-lo para continuar o serviço, mas não houve tempo. Dois outros o seguraram por trás e o imobilizaram com porradas. As pessoas que, então, chegavam pra ver a instalação aplaudiram, aplaudiram muito. Bravo! Bravo! Saíram felizes da Mostra. Finalmente, haviam visto alguma coisa que valia o preço do ingresso.

A Bienal estava de parabéns!


*Este texto já foi publicado, 2003, na Revista Cineclubebrasil

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São Paulo, São Paulo, Brazil

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