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19 de jan. de 2009

*O Amor de Ele e Ela ou como salvar uma alma da calçada - parte I

Gosto de coisas que estão passando na vida agora e não das passadas, aquelas que não temos nenhum poder de interagir, se relacionar, provocar patati, patatá. Então, esta é mais uma leve historia que já contei em mim, para os que disso querem ler para os eles deles que têm olhos de alheios mesmos. Saberei certeza com isso quando o batido da luz acender estas letras para quem de fato for. Ave, que nó na barriga danado desse sou-me de ser de vida!


O caso se passa, exatamente, como lhes dou em miúdos ruídos aqui, neste mínimo momento numa cidade de Minas Gerais. Não digo o nome do sítio para preservar o anonimato de Ele e Ela, por ser o aventado célebre demais nesse confim. Logo, aquele todo mundo de lá, óbvio e cegamente, mataria, a puns, o caso disso que não invento, só comento (rima boba é rima arrumada pra distrair).

Amor que não tenho tamanho em medida pra por, mas Romeu e Julieta é fichinha (Shakespeare que me dê conta de perdoar, aquele seu caso é sucesso de bilheteria e de vida... Agora, do meu, digo, o do meu narrado é de levantar quem já não mexe nem em gemidos).

A mulher, a quem chamo de Ela, foi até há a alguns meses de outro ano, uma bêbada em vida que nem outro seu colega de sarjeta daria real por si, se apostado fosse assim, descaradamente, a teimosia do saber dos outros o valor em dinheiro. Viveu até esse hoje dito há pouco, muito do auxílio de latinhas de cerveja e outros recicláveis de lixo limpo, de onde ordenhava o leite do seu único rebento... Bebia, bebe, mas de porcaria não vive! Por isso, ganhava os trocados, bebia e bebe (reitero) suas pingas, cuidava e cuida do filho - um crescido de uma década, mais ou menos por esse tempo de vida- como lhe dava a sorte que da calçada o mundo lhe exibia. Viveu Ela com o filho durante os tempos de anos assim, assim, tão solitários no limbo, que moscas nem lhe lambiam mais, por entender (se é que me compreendo com os tais insetos voadores) que se o fizessem estariam roubando as últimas forças daquelas duas criaturas...

Eu vi com meus olhos, incólumes ainda, a cena na rodoviária (parada de ônibus, digo) desse lugar, que é a minha terra natal, aliás. A mulher, Ela, havia sido minha amiga de adolescência, filha de gente de bem, pobre mas sempre muito limpa que foi sua família, e fiquei irreconhecível diante dela, dos seus olhos brilhando para minhas crianças, as duas, já com seus nove e doze anos, querendo me dizer coisa bonita e não saía. Eu não pude dizer nada, constrangido, por minha riqueza perto de tamanha miséria (pensei comigo) escancarada ali - aos fiapos dos anos que se iam, rapidamente, aos bagos, detonando aquela juventude .


- Pode me pagar um pão?

- Claro.

Prontamente a moça do balcão resolveu a cena estendendo-lhe o pão que foi pago por este daqui com as mãos sem saber do seu colocado, aflitas, coisificadas e trêmulas diante da irreconhecível, terrível realidade daquela quase não pessoa/mulher que me pedira o pão...

Kauê e Isadora quiseram saber do meu calado descontentamento, brotado com muito brilho de água que não saiu de minha seca fonte de choro, de repente. Falei “agora não”, depois. O pão será comido seco? Não, não perguntei-lhe, mas dito me ficou, levaria pro filho aquele pão de comer sem nada por dentro, só o miolo azedo do fermento (e eu, sem atitude, não ofereci algum recheio por dentro daquele seco...)... Coisa-de-mãe, foi pensado comigo assim na cabeça imóvel, enquanto empurrava, rígido, tenso, as crianças pra sairmos, porque nosso ônibus já, já partiria de volta a São Paulo. E por bem do meu íntimo, honesto, precisava me arrancar dali. Não saberia explicar aos meus pimpolhos, não saberia, não saberia, e o sair daquela porta difícil de fechar do passado se fazia urgente.

E pelo que me lembro, no ônibus, já longe da cena, fui imprimindo pra elas verem de minhas mãos de pai, sem ocultação de dizeres, o passado bonito e limpo de Ela que agora, do olho da calçada vendia latinhas e outros recicláveis do lixo, numa atitude de quem precisa apenas de pinga e pão (seco) pra viver.


Quem pagaria tostão de real por essas latinhas de Ela, tombada nessa vida? Quem?


*Continua na próxima semana

3 comentários:

Anônimo disse...

Que estória!
Você me fez chorar, e pensar tantas coisas...
Imagino o quanto deve ter sofrido diante desta cena, pois você é o homem mais "lindo" que ja conheci!
Um grande beijo.

Anônimo disse...

Muito bacana Cacá! Claro que estamos esperando o desfecho...
Seus filhos sabem desta crônica?
Vida longa a este seu Blog!

educaç@o disse...

Parabéns cacá..vou esperar o desfecho de tudo isso..vc mecheu com minha alma..vc me fez voltar ao passado..vc sabe sou Patricia ...
Beijos no seu S2..

São Paulo, São Paulo, Brazil

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