O olho da cara do sem-assunto
Hoje eu sou um sem assunto, um calado de mim num domingo com quase nada de sol e ainda muito frio numa São Paulo totalmente cinza. O meu cego do olho direito, provisório, nada vê mesmo, mas o meu outro que não é de rei, pode ver, com o jeito que a terra há de endurecer-se mesmo. Quem comigo não convive não suspeita do imediato acima de que falo, de minha visão parcial. Eu estou no aguardo de um dia do mês de agosto próximo, vindouro, pra arrancar uma lente nata do olho e no ali enfiar outro em seu lugar. E como também sou filho do SUS, a fila é um pouco maior do que minha sabedoria. Daí, a paciência precisa ser do tamanho da fila, acho, se que é que se alcança essa fila.
E falo do olho da cara, porque de outros me achariam por demais atrevido. Depois, coisa dos íntimos, nem no caso de morrido o titular do assunto, fica direito se mencionar ou bisbilhotar, não é verdade, pois, querido leitor?
O engraçado nisso tudo, de não ter assunto e ficar feito garoto com estilingue procurando o que fazer, como naqueles interiores de antes das tecnologias todas de “ais”, de “pods”, de pcs, “dissoa’qui” “daqui’loutro”... Ai, ui, ei... E me lembro bem de uma livrada que tomei na cabeça, bem no ato da minha primeira série na escola, e lembro isso, justamente porque não achando chifres em cavalos de hoje, hoje, voltei ao tempo pra buscar algum corno que ora me servisse no aqui deste preenchimento de espaço. Assim que aquela muito amável “pro”, mesmo com livrada e tudo, jamais será por demais esquecida, nem que seja para preencher o aqui deste infinito espaço para escrita ou não.
Fora da órbita
(Reprodução de intimidade)
“(..) Essa delicadeza em "limpar" a casa, a alma, mexe muito comigo também. Fiz isso há poucos dias, logo quando me mudei. Joguei sacolas e sacolas de papel fora... Até alguns livros velhos, quase acabados, tive que me desfazer. Mas teve coisa, como uma agenda de produção, de uma das primeiras que fiz na vida, onde havia anotações sobre artistas que trabalhei junto deles, que não tive coragem de descartar... Alguns desses artistas estão na mídia hoje, outros continuam no limbo. Mas um tempo bacana e que me fez tão bem. Mas no hoje, revendo isso fica um sabor de que se a vida nos contasse o futuro, seria tudo bem diferente. Não sei se melhor, mas traçaríamos tudo de outro jeito. É aí, nem sei se isso seria vida, não é? Olha eu aqui de dúvida, oh! meu céu de azul e cinza, hoje de frio!
Mas tudo bem, vou guardá-la (a tal agenda), como você guarda seus pertences, por mais um tempo, uns, ou muitos anos. Quem sabe...
Beijo na tua alma, sempre limpa, camarada!”.
Moacyr Scliar: Ciumento de carteirinha
Há 5 anos
Um comentário:
Arre! falta de assunto.Boa sorte na fila do SUS, prá tomar uma cervejinha não tem fila!
Beijo na alma,Ronaldo.
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