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6 de jun. de 2014

Um beijo de café...

Se contar, vão dizer que é piada etc. e tal. Mas no meu invento eu não estico mais do que me é possível as realidades, nunca. Creia, estimado leitor, meu negócio é dizer de verde ou maduro a verdade, na mais pura dela que for pra ser o dito e escrito de valer que for. Vi dia desses, num domingo desacorçoado, na Avenida Paulista, perto do Parque Trianon, diante do Masp, bem diante dos meus apertados e quase rasgados olhos de índio sem tribo, o seguinte.

E conto, debaixo do meu nariz, vermelho de escorrer nos ares poluídos da capital, o seguido que sei e soube vendo: um coração foi jogado pela  janela de um carro à 60 por hora devia ser – às 18h30,  e caiu, rodopiou ou chapeou ou respingou no asfalto quente da Avenida Paulista... Meia dúzia de skatistas com mais meia dúzia de garotos vestidos tipo assim e tipo assim mesmo, como dava, meio qualquer tribo do tipo que viram, viram, viram, viram, acompanhando com os olhos, cabeças no movimento do coração chapiscando no quente do asfalto ainda. Depois daquele dia estafante de sol-do-meio-dia do tempo todo.

Gente, vocês não sabem o que é presenciar tragédias paulistanas, coisa tão corriqueira, coisa tão comezinha tá virando... Tipo assim, ó meu, eu vi sim, meu, qualé, cara, sabe....

Mas voltando ao coração... Ele, coitado, de fio a pavio se ralava, sangrava muito, muito. E as pessoas viram aquilo, se sensibilizaram, e algumas senhorinhas até tentaram saber do malogrado músculo o havido. Se houve e se seria assim o descrever, em liso e bom português de professor ajustado no culto das coisas de bem ser da língua, não se sabe. Mas seguindo no conto do coração que via, ali diante de mim, sangrando de sagrado que era, me olhou com certa doçura e me quis que o pegasse, pelas orelhas mesmo, e lhe beijasse lhe alisasse... Que foi o meu dito aqui e feito naquele dia de momento tão especial, apesar do vivo do sangue em vermelha cor de se ser. Que era. Mesmo assim abracei-o e beijei-o, ternamente, para assim comigo ficar sendo de meu, mesmo que não conseguisse colar no meu peito. Assim foi que o fingi colado em mim, junto com o meu, mesmo que estivesse no peito de uma mulher, mesmo.

Depois de algum tempo, apertando-o com jeito, no meu macio das mãos, fui me reinventando com ele, tentando entender sua língua própria, seu jeito peculiar de sorrir, de chorar e, até de falar. Sim, esse coração tinha um dono, ou melhor, uma dona, a mulher que sentada ao meu lado me sorria com um café pela metade na xícara.  Depois pude perceber, o seu beijo era bem brasileiro, tinha gosto de café. Um gosto delicioso de café.

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São Paulo, São Paulo, Brazil

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