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31 de dez. de 2017

   

Gra-ti-dão   - Cacá Mendes       



Um termo muito em voga, atualmente, me deixa mais do que maduro do entendimento do seu sentido, que, segundo um Aulete (virtual), significa : reconhecimento de ajuda, benefício ou favor recebido, e/ou característica de quem é grato. E disso, e por aí, vou me lembrando de casos e casos quantos ingratos a vida vai nos costurando em torno dela. Se hoje estamos em finalzinho 2017, sitiados entre os horrores das panelas mal batidas, e os horrores de um governo tampinha de garrafa, talvez seja mais por pura falta de gratidão do que por outras faltas que forem. Arre!
O escritor João Antônio, de Osasco, com raízes no Rio e outras paragens desse mundo, de cima da sua simplicidade e genialidade literária, a cada livro seu lançado, editado, nos seus agradecimentos jamais se esqueceu de agradecer, primeiramente, não a Deus, mas a Lima Barreto. Umas das figuras mais genuínas da literatura brasileira, a quem João Antônio entendia ser o mestre de todos nós, que sonhamos e pensamos a literatura...  Essa iniciativa de grandeza do escritor de MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO (Civilização Brasileira, 1975), dentre outros sucessos, era mais que um agradecimento, era uma tentativa de reparar um pouco o que as elites mesquinhas brasileiras faz: tenta espezinhar, esconder, massacrar, degolar, e dizimar a arte daqueles que não estão “autorizados” pela mídia das elites da casa-grande, a pisar os seus tapetes vermelhos das vaidades.
Portanto, a palavra gratidão que quase se “desgasta”, “se suicida” de tanto uso e reuso por aí, que virou palavra-chave na maior parte dos “diálogos” internéticos . Uma  # (hashtag) dela encheria caminhões e caminhões de “textos” virtuais... Agora, na prática, poucos, bem poucos “gratificados” se dariam ao trabalho de realmente fazerem jus ao termo, ao gesto, ao carinho, à retribuição, ou ao sei lá qual for o benefício recebido, em questão que fosse...
Digo, escrevo disso, porque a minha muita amiga Risomar, também de Osasco, me chamou atenção dia desses para essa história dos tantos ingratos que ora ou outra vamos trombando por aí. E isso foi num dos por acasos cafés da tarde, quando falávamos sobre o seu tempo de jornalismo no extinto jornal “Diário de Osasco”, que vez ou outra recebia pelos Correios um exemplar , bastante exemplar mesmo, um novo livro, autografado, do escritor João Antônio, por ele mesmo...  Onde, numa dessas conversas, que tomei conhecimento dessa turra desse autor osasquense em desesquecer o que devia ser mesmo inesquecível.
E, para as conclusões do que não se conclui, digo e redigo, o sujeito, se de barriga vazia, se necessitado, será sempre um ser grato, humilde, prestativo, e à disposição do que se for e vier a ser; caso contrário, nas horas mais cheias do seu prato, de matar todas as fomes juntas, do seu esfomeado ser, nunca saberemos  se ele fará valer mesmo o gesto, a atitude daquele que se esbalda na defesa do uso do termo gra-ti-dão, ou se vai apenas ficar na casa dessa onda, fingindo de ser.
O grato.  E por estar vivo e firme. Com um 2018 mais humano, e pleno de boas e sinceras amizades. Beijos, que fui.

29 de abr. de 2016

Passaporte para o mundo de Osasco

                                                
Fui a Osasco outro dia, mais por dever de amizade do que de ofício, digamos assim. Mas no fundo deveria ter ido mais por dever de ofício do que por dever de outra coisa. Explico. Ninguém é obrigado a nascer gostando disso ou daquilo, e de cinema também não, mas a gente é obrigado, por dever de ser, no mínimo a ser curioso... E daqui puxo a orelha de quem sabia e não foi, por preguiça, ou por dez ou mil outras razões. Quem não foi, perdeu. Perdeu inclusive a oportunidade de encontrar muita gente boa lá, em muitos sentidos. Apesar da modéstia, foi uma bela festa. Foi.
A festa a que me refiro foi o lançamento, ou estreia nacional, de “Passaporte Para Osasco”, filme de Rui de Souza. Uma obra fílmica que não perde em nada para um bom filme de arte europeu, ou um bom filme brasileiro. Quem o vir depois, entenderá do que estou falando... Por enquanto quero dizer mais, somente e tão de sua forma, de sua estética. Pois, se arte também é simetria, eis que “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza, tem muito de simetria, delineamento, capricho, nuanças e estética de um filme feito por mãos de artesãos que conhecem do ofício. Uma produção, obviamente, feita na cara e na coragem.  Está lá a marca do seu diretor/autor e também um dos seus colaboradores mais próximos como João Luiz de Brito Neto, cineasta e cineclubista, que além de diretor de fotografia e câmera, foi quem fez a edição; está lá também a trilha sonora, tanto a música original composta por Alcides Neves, como a outra parte da trilha musical do grupo “La Carne”; e também o cineasta e cineclubista Diogo Gomes dos Santos, com apoio do Centro Cineclubista de São Paulo quem organizou tecnicamente a sessão, dentre outros apoios em outras etapas do filme...  Enfim, há tantos colaboradores, que prefiro não tentar citar todos aqui, porque a lista é grande. Agora, é fato que o filme, “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza, já não é mais um projeto, bla-bla-bla, é realidade, ora!   
E vamos lá, todos os nós sendo desatados. Na medida dos bons ventos. Se o mar não vem até nós, vamos a ele! Ufa.
O Teatro Municipal de Osasco, de uns quinhentos lugares devia ter menos de meia casa, de algo em torno de uns 150 corajosos amigos de Rui de Souza. Os amigos e/ou amigos de amigos são sempre suspeitos e bondosos, mas posso dizer que no final de uma sessão de quase duas horas de filme documentário, não há amizade ou amigo de amigo que resista a caras e bocas, e ninguém, ninguém mesmo é condescendente com aquilo que não o é merecidamente bom. No mínimo as pessoas silenciam, mudam de assunto, inventam outras conversas etc. Mas neste caso, quem estava lá  no Teatro Municipal de Osasco, no último dia 11 de março, pode testemunhar, não vai me deixar mentir. As pessoas saíram felizes, caras boas e sem querer ir embora, querendo se estender, conversar etc... E, se não fosse o bravo Samuel Batista (aliás, quem ajudou a viabilizar a sessão de lançamento desse filme, com o apoio da Secretaria da Cultura da Prefeitura  de Osasco), no bom sentido, claro, aquela plateia não teria saído tão cedo do espaço. Oxalá, que sempre fosse assim, não é verdade?  
E o que lamentei, e lamentamos todos, imagino, é a ausência de muitas das personagens que estão na fita, que já não se encontram entre nós. Uma pena. Estão lá José Ibrahin (autor e cedente de grande parte das imagens de arquivos), José Groff e também uma das figuras mais carimbadas daquela turma, o saudoso Inácio Gurgel. Além ser uma das expressões daquele movimento grevista, poeta e militante cultural, é o homem das artes cênicas em Osasco daqueles e muitos outros anos, um multiplicador de cenas. Digamos assim.  Ademais, estão lá também, felizmente, os que ainda estão (e bem) entre nós: Helena Werner Pignatari, Risomar Fasanaro, Terezinha Gurgel, Antonio Roberto Espinosa, João Joaquim e Roque da Silva. São todos personagens importantes desse Movimento Grevista, envolvendo a extinta Cobrasma, que ainda intriga a muitos, tantos aos mais velhos como às novas gerações. Cujo poder de mobilização e força contra o regime militar, daqueles anos de 1968, encontraria par nos movimentos grevistas da cidade de Contagem (abril de 1968), MG, e depois no histórico e emblemático ABCD paulista, anos depois.
Encerrando esse modesto texto, sem maiores pretensões, só queria aqui registrar esse momento tão singular para uma cidade como Osasco, que, se não estou enganado deve ser este o primeiro ou o segundo filme de longa metragem produzido no município. Não precisa ser, exatamente, das artes e/ou da área da cultura para saber da importância disso... E quem não sabe da importância deveria procurar saber.
Assim, me retiro do Teatro Municipal de Osasco, e volto para São Paulo, de trem, de onde espero poder continuar observando e ajudando quando possível, ou, se for o caso, ao menos não atrapalhar quem está produzindo arte por lá. O que já está de bom tamanho, dada as nossas homéricas tarefas para a sobrevivência nessa área. Bom, de qualquer forma, eu também já tenho um passaporte para o Osasco. E, beijo que fui.


(Cacá Mendes)
Poeta e produtor cultural, e também

Coordenador do “Sarau dos Conversadores”

13 de jul. de 2015

A cidade da torre 



Eu tinha comprado uma cerveja em lata, uma de uns dois reais, no máximo, talvez.  Mas eu lembro que ela me puxou pelas mãos e me propôs uma outra cerveja, uma de uns 20 eu acho, mas teria que subir a torre. Subir, subir, subir e ouvir música fina, estabelecida... Um sonho nas alturas dos corações. 

O que eu chamo de “torre” é o edifício Itália, na Ipiranga com a São Luiz, em São Paulo - considerado um dos prédios mais altos da cidade, espécie de menina dos olhos das boas vistas dos que gostam que gostam de mirar os cimos de uma metrópole quase ensandecida. De lá se vê todos os lados da cidade, de Itaquera na Zona Leste ao Itaim Bibi, na Zona Sul; ou se quiser, a Zona Norte inteira, chegando em Guarulhos, emparelhado na Cantareira desde o Pico do Jaraguá, lá para as bandas de Cumbica, até chegar ao Bairro dos Pimentas e... Lá vem São Miguel Paulista, um arcanjo na beira do caminho de um Rio de Janeiro já muito passado (Dom Pedro dois passava por lá, eu acho – caminho da roça entre a capital cafeeira e a corte)  etc. Agora, do contrário, víamos Cotia, Santo Amaro,  Marginal Pinheiros e até Jardim Ângela, depois podendo se chegar com os olhos até o alto de Pinheiros, pelas bandas da Lapa, depois se avistar com Osasco, início da Via Anhanguera, um pedacinho de Caieiras; e, mirando bem, num oposto podíamos ver um pedaço do ABC etc., etc.. Ehehehehe, evoé! Praias às vistas. Caminho e serra do mar. 

Mas talvez isso nem tenha tanta importância, e o que me pegaria mesmo naquela noite na torre, seriam outros quinhentos... Deixei meus velhos anos, espichados num passado que me guiaria esplêndido naquela noite nas nuvens, só  para me disfarçar de jovem, de moço. E fomos um de dois, mergulhados no pleno da vida em conversa, de fio a fio, desenrolando-se no cimo dos escuros das imensidões paulistanas e dos seres. Eternidade numa noite.

Éramos para se ser, ao seu tempo e modo, cada um em si. Sem des/ser de nenhum de nós. 

Depois, aquela farta geografia dos ares, e nós nos decifrando nos carinhos invencíveis de felizes dessa vida... Bocas mordiam-se violentas mesmos,  querendo em beijos se pegar em fogo para se compensarem de tempos perdidos e doloridos, idos desde há muito... Ah, depois, tinha a dor da pressa, a dor da ansiedade, a dor da insônia, a dor pela falta, a dor pelo ciúme, a dor pela dor de esperar qualquer amor numa encruzilhada de esquina; só para se fartar de feliz, se fartar de felicidade. 

A cidade agora, em toda vista, era um campo aberto de luzes que  se estendiam aos nossos pés, de todos os lados, nos servindo com toda sua generosidade de megalópole que aos poucos vai se diminuindo, diminuindo até tornar–se do tamanho de uma cama onde só caberiam duas pessoas...  E breve. 

Voltei aos baixos de outras luzes, precisava seguir com minha música falada, escrita, sussurrada... Seguir. A torre ficaria lá em cima com sua luz, sua altura, sua música refinada, estabelecida, e sua cerveja de uns 20 reais... Talvez. Esse era o preço? 





19 de dez. de 2014


Pensar mais, corporificar mais


Errei da mão pensando em mim, no que escrevo torto em linhas. Não me quero comigo, pensando à toa que sigo eu mesmo os hábitos dos outros, que por mim eu penso que pensam. Não quero nem pensar o que penso!
O vento precisa ser vento só, como vento em praia deserta, mas precisa ser. A natureza da gente também é ser ilha, mesmo se mar ao redor não houver... E olha, sou por mim, que somente o coletivo pode nos acolher, se o caso de tsunamis nos atacar em solidões irrefutáveis. Disso não me abro pra pensar, em soltar dessa ideia. Nem preso; nem vivo de morto, se for pra ser bem turrão. Sou pedra nas nuvens e fu...maça no chão. Se for pra ser. 
Ave são as minhas mesmices de gota em gota pra narrar e medir meus tecidos que vão-se indo, indo... 2015 está aí, na porta.  Olha, e eu me vou, estou indo nesse fiapo de ano que vai se debatendo nos ultimatos das horas.  Pois, nos demais, nos depois, nos apelos vão- se as bicicletas. Ficam-se os sonhos com os carrosséis.  

Grande é o pensar, pequeno é o não pensar. Miúdo não quero ser mais comigo de viver sem muito assim. Nem nos pés, nem na cabeça. Esse é o sentido que me corporifica.  Em 2015 eu quero pensar mais, mas também me corporificar mais. A vida me pede isso, e sem delongas. Evoé!

6 de set. de 2014

Os Mayas - em 24 pedras

O sol de domingo é o melhor sol do mundo, e nele me deito e me rolo de rir ou de chorar. Isso se for pra ser.  Assim que num domingo de outro dia, deste mês de agosto passado agorinha, dia dos pais, fui à Oca, no Ibirapuera, ver a exposição dos Mayas...
Um Parque quase ermo... Desci a Sena Madureira a pé (em direção a ele), levando uma garrafinha de água, para o caso de alguma sede previsível. E como não precisa ser nenhum sábio, água em dia de calor é mais que bem-vinda para se matar a sede e, também no caso de haver algum principio de incêndio, pois nunca se sabe... De repente o bombeiro pode demorar, daí nossa chance de  nos  tornarmos  um herói. Ops, isso aqui era para falar dos Mayas e, já estou me desandando por outro caminho. Voltemos ao início. Na porta. En la puerta.
Como era um domingo com pouco público, lá cheguei e fui entrando... Ops, de repente alguém falou:
- Não pode entrar com a garrafa!
- Sim, tá bom... Eu disse.
Fiquei procurando um jeito de preservar a garrafinha de água para a volta, na saída, mas não aparecia nenhuma ideia brilhante... Nisso, outros monitores, guardas e afins, uns 5 ou 6 e outros mil, talvez, quase todos em coro único dissonante, também insistiram, num berro: 
 - A garrafinha... Não pode entrar!!! E desta vez, aquilo me pareceu muito rude, ou enérgico, mesmo. Bem, não sei a diferença, mas era algo assim bem chato de se ouvir.
Eu revidei, não na moeda dessa altura da minha referida menção, mas revidei. Dei no olho deles, dos famintos lobos daquela portaria quase desértica de um domingo de dia dos pais... Na ausência de carneiros, lobos devoram grilos.
Assim, como já disse acima, vomitei:
- A garrafinha não contém explosivos! É água! Não precisam me falar mais, já sei, já sei, não posso entrar com água na exposição dos Mayas!
Lá se ia a minha chance ou perspectiva de virar herói no caso de algum princípio de incêndio. Sem água, nessa secura imensa de uma São Paulo do mês de agosto não daria, ainda que fosse por uma hora e pouco... 
Voltando para o interior. Ou iniciando o percurso: de 600 a 900 anos D. C., lá desci ao túmulo do sem fim daquela história mega, faraônica, mística e plena. E pensei: aqueles caras podem ter dado aula à Shakespeare, talvez; e, também, devem ter exportado máscaras para a invenção do Teatro Nô (japonês), não sei. Claro, isso milanos (junto assim mesmo) depois, por aí...
Mas, brincadeiras à parte, eu mergulhei naquele profundo, e vi maravilhas, terras longes, ermas, povoadas; vi mares, ilhas, governos e desgovernos, astros, deuses, ritos e... Cacos de uma civilização inteira, cujas marcas indeléveis, em pedras, perpetuam sabedoria e tecnologia, avançadíssimas para um tempo do sem fim, um tempo sem medidas... Talvez, ali, a morte, mais que a vida, esteja muito mais representada, por ser esta um rito de passagem para um nada (ou tudo) muito, muito além das compreensões (ou das aceitações).
As diversas faces de uma civilização, em detalhes nas sobras de esculturas e/ou arquiteturas, ou as próprias máscaras, são representações grandiosas que nos tocam a alma e o espírito, ou o insondável, intocável. Seriam aquelas peças o “cinema” daquela gente, que ao seu modo vasculhavam os longínquos dos tais mistérios acerca da morte, para perpetuar a vida? Se o cinema, no seu estado em que o conhecemos é uma imitação quase perfeita da vida, para nos deixar vivos (postos num tempo), para os Mayas, suas grafias muito provavelmente são representações para os perpetuar (e perpetuou) num sem fim da vida. Na terra e no espírito humano. Enquanto houver  essa espécie que denominamos homem.
Voltando ao cimo da saída daquela exposição, sedento que estava da minha garrafinha de água... Não, não havia mais garrafinha de água e nem ao menos um local onde se pudesse obter uma. Enfim, a sede e a água: um estado e uma coisa, da vida. Apenas isso.
Mas o forte, o indelével, o cortante, o fundo, o ensimesmado de mim, era o que era daquele mais que um quê de um turbilhão de lembranças das nossas próprias ruínas, ali, naquele subsolo da Oca, em pedaços de pedra, que juntos, como numa fita, formam imagens que formam um filme, um filme que fica repetindo na nossa cabeça, como o eco de um grito ensurdecedor... Apenas isso. Mais nada. 



6 de jun. de 2014

Um beijo de café...

Se contar, vão dizer que é piada etc. e tal. Mas no meu invento eu não estico mais do que me é possível as realidades, nunca. Creia, estimado leitor, meu negócio é dizer de verde ou maduro a verdade, na mais pura dela que for pra ser o dito e escrito de valer que for. Vi dia desses, num domingo desacorçoado, na Avenida Paulista, perto do Parque Trianon, diante do Masp, bem diante dos meus apertados e quase rasgados olhos de índio sem tribo, o seguinte.

E conto, debaixo do meu nariz, vermelho de escorrer nos ares poluídos da capital, o seguido que sei e soube vendo: um coração foi jogado pela  janela de um carro à 60 por hora devia ser – às 18h30,  e caiu, rodopiou ou chapeou ou respingou no asfalto quente da Avenida Paulista... Meia dúzia de skatistas com mais meia dúzia de garotos vestidos tipo assim e tipo assim mesmo, como dava, meio qualquer tribo do tipo que viram, viram, viram, viram, acompanhando com os olhos, cabeças no movimento do coração chapiscando no quente do asfalto ainda. Depois daquele dia estafante de sol-do-meio-dia do tempo todo.

Gente, vocês não sabem o que é presenciar tragédias paulistanas, coisa tão corriqueira, coisa tão comezinha tá virando... Tipo assim, ó meu, eu vi sim, meu, qualé, cara, sabe....

Mas voltando ao coração... Ele, coitado, de fio a pavio se ralava, sangrava muito, muito. E as pessoas viram aquilo, se sensibilizaram, e algumas senhorinhas até tentaram saber do malogrado músculo o havido. Se houve e se seria assim o descrever, em liso e bom português de professor ajustado no culto das coisas de bem ser da língua, não se sabe. Mas seguindo no conto do coração que via, ali diante de mim, sangrando de sagrado que era, me olhou com certa doçura e me quis que o pegasse, pelas orelhas mesmo, e lhe beijasse lhe alisasse... Que foi o meu dito aqui e feito naquele dia de momento tão especial, apesar do vivo do sangue em vermelha cor de se ser. Que era. Mesmo assim abracei-o e beijei-o, ternamente, para assim comigo ficar sendo de meu, mesmo que não conseguisse colar no meu peito. Assim foi que o fingi colado em mim, junto com o meu, mesmo que estivesse no peito de uma mulher, mesmo.

Depois de algum tempo, apertando-o com jeito, no meu macio das mãos, fui me reinventando com ele, tentando entender sua língua própria, seu jeito peculiar de sorrir, de chorar e, até de falar. Sim, esse coração tinha um dono, ou melhor, uma dona, a mulher que sentada ao meu lado me sorria com um café pela metade na xícara.  Depois pude perceber, o seu beijo era bem brasileiro, tinha gosto de café. Um gosto delicioso de café.

23 de out. de 2013

A balança dos olhos




Minha uma amiga de tempos e tempos, num canto de conversa outro dia, antes de outros tantos assuntos que sempre percorrermos juntos, me cutucou com uma varinha curta – e nem era uma de condão:

- Cacá... tô gorda, não?

Eu, mais opaco do que nunca nisso de gordo e magro, por descuido olhei-a por muitos quebrados de segundos, em mira de viés, assim medindo a milímetro de olhudo, sem querer crer naquela sua indagação... Para resolver logo a questão, dei lá o meu checado:

- Sim, você está mesmo uma baleia...

Não posso dizer da carinha enfezada, com uma misturinha de  açúcar que ela me fez, não posso dizer... Digo do açúcar, porque ela não seria pessoa de se enferrujar de brutalidade nunca, ainda que por segundos. Mas assim, quase que no mesmo instante do terminado do meu dito logo aí em cima, já emendei, sem que ela desse réplica no assunto, sem eira nem beirada, castiguei no conserto da piadinha:

- Claro, não queria dizer antes, mas na verdade, a baleia que eu disse é aquela do Vidas Secas do Graciliano...

Sim, rimos muito disso por minutos, rimos (mulher tem cada uma... mesmo aquelas mais magras dessa vida de beleza). Ah, no fundo, tudo isso tem graça, sempre. Eu acho.






Nota: pedi emprestado esta imagem de algum abençoado... Claro, ele não disse sim nem não. Na dúvida eu publiquei...
São Paulo, São Paulo, Brazil

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